Eunice confortável

Eunice confortável

– Você sabe!
– Não sei.
– Aquele ator.
– “Aquele” não é a melhor explicação.
– Aquele lá que eu gosto.
– De onde você conhece?
– Daquele filme, sabe?
– Não.
– Passou na sessão da tarde aquele dia.

“Aquele” é um pronome demonstrativo que, segundo o dicionário, indica algo ou alguém afastado espacial ou temporalmente do falante e do ouvinte. Mas não para minha mãe. Para ela, “aquele” é uma descrição incrível capaz de me fazer lembrar do ator, do filme, do lugar de que ela estava falando.

– Aquele restaurante.
– Qual?
– Que a gente foi aquela vez.
– Quando?
– Naquele dia, que você pegou aquele caminho esquisito.
– Caminho esquisito? Perto de onde?
– Daquela loja que a gente comprou aquele presente.
– Mãe, colabora.
– Aquele presente, para aquele amigo do seu irmão.
– Quando???
– Você sabe.
– Não sei.

Essa conversa se repete. Com frequência. E vou dizer que, às vezes, eu até que consigo acertar, lá pelo quinquagésimo sétimo aquele. Deve ser por esse treino que fiquei relativamente craque em Imagem & Ação, mas isso é outra história.

Enfim, o lance é que, via de regra, eu tenho que perguntar muito para tentar adivinhar. A gente passa, por “aquele lugar”, “aquele dia” e até “aquela vez” (quer mais genérico que isso?). E sempre peço para ela tentar dar mais detalhes, mas ela nunca lembra. Um belo dia…

– Essa você vai saber!
– Qual?
– Essa música!
– Não é aquela?
– Não, é essa.
– Qual?
– Essa aqui. Queria que você visse pra mim na internet quem canta. Eu tentei, mas não achei.
– Vejo. Esse é o nome?
– É um trecho da música. Eu anotei pra não esquecer.
– “Inacreditável Eunice confortável”?
– Isso! Viu, essa você vai saber!
– Mãe, tem certeza?
– Tenho, sempre ouço no rádio, menina.
– É que não dá resultado nenhum na busca…
– Ó, tenta assim: “Inacreditável Eunice confortável ao lado seu”.
– Nada, mãe. Pera…
– Achou?
– Não, vou tentar quebrar a busca.
– Como assim?
– Tô buscando só “inacreditável Eunice”, olha.
– Nada?
– Nada. Vamos ver “confortável ao lado seu”.
– E aí?
– Hum. Acho que achei.
– Sério?
– Escuta. É essa aqui?
– É essa!! Obrigada, filha!
– Isabella Taviani, “A Canção Que Faltava”.
– Anota pra mim?
– Não é “Eunice”.
– Claro que é!
– Mãe, escuta:

Tá, pra dar um ponto pra mamãe, até que parece um pouco. Dá pra confundir. Agora, resta a dúvida: “Eunice confortável” é uma dica melhor que “aquela música”?

One thought on “Eunice confortável

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.