Sobre cirurgias em geral e os diferenciais do parto

Sobre cirurgias em geral e os diferenciais do parto

Eu tenho quatro pra conta: cesárea, uma retirada de gânglio para biópsia, uma correção de hérnia do hiato (sem ditongo) associada a uma intervenção no intestino, uma retirada de vesícula (o nome disso é colecistectomia, caso você esteja se perguntando). Em ordem cronológica.

As três últimas foram meio similares. A gente tem uma vaga noção de como rolam as cirurgias em geral. Sabe que tem médico, anestesia, centro cirúrgico, uma equipe envolvida, parafernálias tecnológicas cheias de melindres, e que a gente fica sem roupa. É isso.

Vamos aprofundar esses conhecimentos. A sequência de fatos: interna, vai pro pré-operatório, conversa com a equipe, te explicam a santa magia da anestesia (que te apaga e te dá o melhor sono do mundo!), te contam o que vão fazer, te falam como será depois, te levam pro centro cirúrgico (se você não conhece um, pode confiar nas imagens que vir em cenas de dissecção de ETs – até os refletores são idênticos), o camarada narcoterapeuta (vulgarmente conhecido como anestesista) te dá uma máscara de inalador e manda a gracinha: “Conta até 0 começando do 10, quero ver se você sabe!”. Você sabe, mas vai apagar antes disso, e vai ficar a dúvida pra equipe cirúrgica sobre sua incrível capacidade matemática ou total inaptidão.

Nas duas vezes em que houve retirada de órgãos, eu fui acordada de um jeito sensacional – pra mim, o melhor: “Quer ver o que tiramos de você?” Claro que quero! A saber: meu gânglio parecia uma enorme gosma branca de jabuticaba, com caroço e tudo. Minha vesícula, eu não lembro. Só sei que não me deixaram levar a bichinha pra casa comigo. Depois de costurada, você vai para o quarto descansar até a alta.

E como isso se diferencia do parto? Vamos a ele, minha primeira vez no C.C. Vocês sabiam, por exemplo, que, no pré-operatório, aparece uma figura nefasta com espuma e barbeador pra dar um tapa na sua “menina” antes da vinda do bebê ao mundo? Uma completa desconhecida. Nem te paga um drinque. Nem se apresenta!

Aí, vem a sala em si, onde acontecerá o tal milagre da vida, e você, que não tem dilatação/porte físico/força/preparo/sorte/azar de ter parto normal, ganha uma “meia anestesia”. Meia literalmente. Porque pega metade do seu corpo, do umbigo pra baixo. E tem um enfermeiro sacana que te pede: “Levanta a perna”. Mas nem com guincho! Você não sente, nem movimenta nada na parte de baixo do seu corpo. Só que está acordada. Leve desespero.

Para começar o show e, talvez, pra não te horrorizar com o sangue, a equipe médica ergue um lençol (o meu era azul bebê, sem trocadilhos) entre a metade do corpo que sente e a que está inerte. E eles começam a conversar, falar sobre a vida, o universo e tudo mais, desfocando do procedimento e da sua presença na sala, como se o lençol também fosse um escudo à prova de som (newflash, galera, não é – a gente ouve tudinho e fica um dedinho apreensiva com a casualidade de vocês num momento crucial pra gente). O bebê nasce e a emoção – só clichês que eu não quero usar descrevem.

Aí, você vai para o quarto: em vez de descansar, passa o dia recebendo gente – gente de perto, gente de longe, gente que vai ver o rebento crescer, gente que você não vai ver nunca mais. Muita gente.

Além das visitas, existe um sem-fim de especialistas: obstetra, enfermagem, técnicos nisso e naquilo, nutricionista, anestesista, mãe de santo, tarólogo, palpitadores de plantão. Ensinam a dar banho, a amamentar, a trocar fralda, a cuidar do umbigo, a colocar no sol. Podiam trocar a porta regular por uma giratória, facilitaria o entra-e-sai. Ou até deixar sem porta. Você vai acabar se acostumando mesmo a ser vista com os peitos de fora, pra que decoro de porta?

Apesar de tudo isso, o maior diferencial entre parto e outros, como a colecistectomia, é que o produto retirado na operação segue contigo pra casa depois da alta. Ou seja, essa odisseia não acaba no hospital. Se, na maioria, a gente tira algo, nessa, a gente acrescenta. O meu tá aqui comigo há quase 20 anos. E todo dia é como se fosse uma nova cirurgia, tamanha complexidade envolvida. Se vale a pena? Continue por aqui.

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