O jantar

O jantar

– Quem canta mesmo aquela música da menina que tem a pose exata para fotografar?

As mãos dela firmes em cima da mesa. O garfo e a faca continuam no mesmo lugar. Desde que viu aquilo, sabia que teria que fazer algo. Só não sabia como. E ele falava com um sorriso. Não notou.

As mãos dele desenham no ar cada palavra. Aquele sobrenome esquisito deve ser mesmo italiano. O anel do dedo do meio da mão direita acompanha o ritmo, sem desafinar, jogando uns reflexos aqui e acolá, como efeitos visuais.

Para de gesticular por um segundo para limpar a toalha da mesa, recolhendo uma a uma as migalhas do pão do couvert que acabou faz tempo.

– Teve também aquele filme que essa atriz fez, eu achei o máximo.

Volta a gesticular. O prato esvazia, os talheres educadamente repousam em cima dele com a sensação de tarefa cumprida. O anel volta a dançar. Agora, parece acompanhar uma música de fundo.

Ela desvia o olhar, fixa a mesa já sem migalhas, mas sabe que não pode ficar olhando para baixo para sempre. Aquilo estava ficando ridículo. Aperta uma mão contra a outra, seu prato ainda pela metade. Como é que ela ia conseguir comer? Tinha que falar…

Ele abre um sorriso enorme, começa a rir. Sem entender a mudez dela, continua a falar. Quem sabe ela entra no clima? Analisa as opções de conversa e decide por uma anedota dos amigos de infância. Sempre dá certo.

– Ah, já te contei daquela vez no litoral? Foi incrível!

Os dedos dela tamborilam impacientes. Ela percebe que o esmalte do mindinho da mão direita está lascado. Merda. Tinha feito a unha ontem, gatou numa nota! Os olhos circulam o salão e voltam para ele. Esquece o esmalte. Ele precisa saber. Nada na expressão dele mostra preocupação. Como consegue ficar assim?

Ele sorri de novo. Hesita. Espera que ela sorria de volta. Nenhuma reação. O garçom passa ao lado da mesa, ia oferecer sobremesa. Eles tinham uns petit gâteaux incríveis. Achou melhor deixar para depois.

– Me amarro naquela pizzaria. A gente podia ir lá na próxima.

A fome dela foi embora. Ela não conseguia mais distinguir as palavras. Afasta seu prato, sente o grito chegando. Vai explodir a qualquer momento.

Ele nota que tem algo de errado. Suas amigas diziam que seu sorriso era lindo, e ele confiava na opinião delas. Sorri várias vezes para ela, como treinou no espelho antes desse encontro. Agradar a moça era importante para ele. Só que ela estar tão impassível abalou a confiança dele.

A voz dele oscila um pouco. Na falta de reação dela, ele faz uma varredura mental atrás do que pode ter dito de errado. Arrisca chamar a moça para a conversa.

– O que acha, Carol?
– Oi?
– Queria saber sua opinião. Está tão quieta…
– Tem alface no seu dente!

Ufa, que alívio! Ela pega a bolsa, vai para a calçada e chama um táxi.

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