Faça-me o favor! (Ou uma reflexão sobre Harry Potter)
Confesso, eu li todos os livros do Harry Potter. Li mesmo. E quer saber mais? Gostei! Pode julgar, nem ligo. Considero a JK Rowling uma autora bem bacana. Achei a história muito bem escrita, a trama foi arquitetada com habilidade. E, se você quiser ir além do mundo mágico pra uma segunda camada de entendimento, tem várias possibilidades de analogia.
A gente podia papear aqui sobre a analogia da honestidade, do caminho do bem, de como os amigos ajudam você a superar, de que a união faz mais que açúcar já que também faz a força. Mas essas daí são batidas e rolam em várias outras histórias. Tem todo o lance de jornada do herói que você já conhece. Queria propor duas visões menos comuns.
Um exemplo são as carruagens que levam Harry e todos os alunos da estação de trem até a escola. Até dado ponto da história, você (e o menino que sobreviveu, e quase todo mundo na escola) acredita que elas andam sozinhas. Depois, descobre que tem uns cavalos esquisitos puxando cada uma delas – o nome dessas criaturas é testrálio.
Por que, de repente, eles aparecem? Se você não for desse mundo, o que se segue aqui é spoiler, mude de post (esse aqui é legal também): um colega de Harry morre na frente dele, no 4º livro, e ele vivencia a dor da morte. Ficamos sabendo, então, que só quem passa por isso consegue ver os bichos.
Se você já perdeu alguém importante ou viu um sonho grande se desfazer, já viu um testrálio. E, se tem um amigo que nunca passou por isso, sabe que ele é completamente inapto pra te consolar. E a culpa não é dele, porque, pra entender o tamanho da dor da perda, não tem jeito: tem que ver, tem que ter passado por aquilo. Ou você nunca vai de fato compreender o que é essa experiência (tomara! Que bom seria, não?).
Outro paralelo interessante que dá para traçar é sobre as refeições mágicas. Em dado momento, o diretor da escola bate palmas e – puff! voilà! – jantar servido. Um banquete aparece em cima da mesa. Mas, olha só, mesmo para um mundo mágico e de fantasia, há regras. As coisas não se materializam do nada, elas não simplesmente aparecem. Tem que rolar uma explicação melhor.
Novo spoiler pra quem ainda pretende ler/ver: as comidas são enviadas da cozinha pelos elfos domésticos. Esses seres vivem no castelo da escola e fazem todo o trabalho, mas, para não “incomodar”, nunca são vistos. Imagina: o lugar é todo limpo, tudo é arrumado, a comida toda é preparada E servida sem que ninguém veja os elfos! Ainda assim, eles existem.
Quer trazer isso para a vida? Simples: favores não são feitos por elfos domésticos. Não é porque você não vê a pessoa te fazendo um favor que ela não existe. Elfos domésticos, por outro lado, tenho quase certeza de que não existem. Ou seja, se alguém te ajudar, essa pessoa, provavelmente, uma hora, se fará notar.
Da forma que eu vejo, com uma analogia fora do mundo potteriano, favores são como portas de entrada. Quando você pede ajuda, a pessoa entra naquele instante da sua vida. E não tem muito como não notar que ela está ali. Vai pedir pra ficar imóvel, sem respirar, falar ou pensar, mas continuar te ajudando? Faça-me o favor, né? Até elfos domésticos respiram, poxa! Caso não queira a pessoa no seu espacinho, não abra a porta.