Tá errado?

Tá errado?

– Mas você pelo menos sabe quem é o pai?
– Não, tava escuro, tinha um monte de gente no quarto naquela noite e, depois de uns meses, quando descobri que estava grávida, achei que pegaria mal voltar e perguntar.

Helena ouviu essa bodega mais de uma vez na vida. Na realidade, ela contou três vezes. Da primeira, pasmou e não soube responder. Nessas situações, quando, mais calma, voltando para casa, conseguia pensar em mil respostas à altura, sempre sobrava para o pobre do volante do carro, que ouvia todos os desaforos.

– Nossa, mas ele é tão bonitinho. Puxou quem, o pai?
Em pensamento: – Óbvio, porque a mãe é feia de doer!

No manual de quem vai virar mãe, tem um contrato que diz lá que você tem que aguentar os piores desaforos de toda sorte de gente – conhecida ou estranha. Helena, claramente, pulou essa parte quando assinou o papel.

– Você (não) vai deixar seu filho fazer isso?
– Preciso responder?

Helena verificou: a maioria das crianças não vem com manual. A dela não veio, o obstetra que fez o parto confirmou. Dá a impressão de que muita coisa vem do bom senso, muita vem do que os responsáveis pelo infante acreditam, e outro tanto vem de tatear no escuro mesmo. Acerto e erro. Então, sim, ela (não) deixa o filho quando acha que é o certo e vê no que dá. “Quer dar palpite? Paga uma conta!” era o pensamento. Mas ia dar muita briga. A resposta mesmo era um sorrisinho amarelo.

– E quem vai ensinar ele a ser homem?
– Oi?

Rita Lee respondia, Helena é sim mais macho que muito homem. Ela, 32 anos, Leandro, uma mão cheia de anos. Ela trabalha em casa pelos horários flexíveis, ele vai para a escolinha de manhã. Ela vira a madrugada no computador para ter o dia livre para ele quando precisa, sabe cuidar do carro, entende de futebol, só não conserta o encanamento. Ele já conserta carrinhos de brinquedo, mas também manja de fazer bolo com a mãe e puxa a tomada do computador quando a mãe trabalha fora do horário.

– E você nem chegou a se casar?
– Ehhhh…

E não basta comentar a prole. As pessoas têm interesse na vida amorosa dos outros. Helena se considerava uma pessoa semi-boa, ajudava sempre que podia. Pagava as contas em dia. Era limpinha. E o filho andava meio que limpinho também. Mas não basta. Não, tem sempre um “e quando vamos conhecer um namorado?” ou, se tem namorado, “quando vão se casar?”. Helena só revirava os olhos. A mãe se preocupava.

– Mas, filha, o que vão pensar? As pessoas acham errado…
– As pessoas acham errado o que é diferente do jeito delas.

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