A instalação

A instalação

84 potes de vidro dispostos em forma de pirâmide no centro da mesa. Foram algumas horas de trabalho, limpando um a um, tirando as manchas, secando, admirando os itens hermeticamente protegidos de sua coleção. A base desta pilha nova era quadrada, 7 por 7. Arturo acreditava que sete era o número da perfeição. E uma pirâmide com base 7 x 7 dava força à criação. (“Ter usado um número par de potes ajudou.”) Admirando sua obra, ele sentia a energia fluir. Tinha se superado desta vez.

Quando levantou, percebeu que a parte da mesa atrás dos potes ainda ficou com alguns respingos. Retomou sua cesta de materiais de limpeza, deu a volta e começou a esfregar. Não vigorosamente, para evitar perturbar a montagem. Se algum pote saísse do lugar, teria que começar de novo. Depois de alguns minutos com o pano embebido de água sanitária, ajoelhou-se para conferir se a mancha havia, de fato, sido removida. (“Hum, acho que saiu. Mas, peraí, tem um dente na base?”)

A ordem dos conteúdos da coleção de Arturo não podia ser perturbada, devia seguir a mesma lógica do corpo. Com um suspiro, ele se levantou e voltou para sua cadeira de trabalho. Começou a tirar os potes um a um, verificando todos os conteúdos e refazendo a separação antes da montagem: base do lado esquerdo, topo do lado direito. Demorou um pouco para decidir aonde ia o pote com um pedaço de pele e se aquele tufo era de cabelo ou pelo. A memória já não era tão boa, mas acabou lembrando. No meio da separação, teve uma ideia. Ia precisar de um pote vazio.

Reconstruiu a pirâmide de acordo com a divisão, agora, correta. Deixou o pote vazio por último. Precisava de uma amostra para completar a montagem. O pote foi preparado com formol e ele colocou seu jaleco. Era quarta-feira, então, pegou a chave da quarta jaula. E a caixa com um par de alicates, serrote, tesoura, gaze, água oxigenada e o tazer. (“E é melhor levar o sedativo também só por garantia.”)

Desapareceu no escuro. De lá, só se reconheciam os sons. Contou em voz alta: um, ruído metálico, dois, ruído metálico, três, ruído metálico, quatro. Nenhum ruído. Parou, girou a chave e a porta rangeu lentamente. Um choro fraco. Um gemido (“Ou ganido?”). Uma batida, um estrondo, um grito. Zunido longo do tazer. Uma queda. Silêncio. Mais silêncio. Outro rangido da porta, o giro da chave. 4, 3, 2, 1. Arturo voltou da escuridão com um olho quase inteiro (“Vai precisar de tratamento; talvez, serragem.”) O sorriso foi interrompido pela gota de sangue no chão.

O olho foi para a bancada de preparação ao lado do pote vazio. Com as luvas de borracha e outro pano encharcado de água sanitária, ele esfregou a gota de sangue. Dessa vez, freneticamente. Quando terminou, podia se ver no piso. Sorriu de novo. Foi até a bancada, assoviando, trocou as luvas de borracha por luvas cirúrgicas e pegou do olho. Primeiro, usou as pinças para segurar na posição correta; daí, um pouco de álcool para limpar e purificar. Tratou com muito cuidado de fechar o vazamento e nem precisou de serragem (“O que foi bom, já que poderiam danificar o item depois.”) 45 minutos, e o olho estava pronto para ir para o pote vazio. O olho ficou na parte superior, o topo da pirâmide. Arturo achou poético. (“Agora, sim,uma obra-prima!”)

Tirou o jaleco, jogou junto com as luvas num balde, afogou tudo em alvejante. Cobriu com um pano limpo, enxugou a testa, ajeitou o cabelo e começou a subir a escada. Antes que pudesse chegar ao topo, a porta se abriu.

– Papai, vamos logo! Você prometeu me levar ao cinema! Já acabou?
– Já estou indo, meu amor. Mas você sabe que não deve entrar no porão. Pode se machucar ou até se sujar com as ferramentas do papai. Você já está pronta? Vai pegar a mochila que, depois, vou te deixar na casa da sua mãe. Preciso resolver um problema de trabalho. (“Amanhã é quinta, e a 5 está vazia.”)
– O quê?
– Nada, filha. Vamos.

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