Medo de altura
Só sentia o gelado. Os pés descalços na tábua flexível tão distante do chão não melhoravam os arrepios: prancha de metal, insensível, escorregadia e que parecia curvar mais do que deveria, querendo acelerar o processo do pulo, empurrando ele para fora, convidando para baixo. A sola do pé quase queimava de tanto frio, ele achava que ia grudar na tábua e pensava que isso não seria de todo ruim; se grudasse, não teria que saltar, não teria como, mas ele não queria decepcionar e estava ali, firme (ou nem tanto), encarando a tábua do trampolim, consciente da multidão que o esperava vencer o medo lá embaixo. Ventava muito, um vento cortante, insistente, que arrastava as folhas e fazia ondas enormes na água, ondas que queriam engolir ele quando chegasse lá, mas faltava ar (seria possível sentir claustrofobia ao ar livre?), e ele tremia bastante, sentindo os pelos do braço se arrepiarem cada vez mais, fazendo com que a pele ficasse cheia daqueles buraquinhos saltados que só aparecem nessas horas. Num olhar de relance, ele percebeu a piscina lá embaixo, uma tina de água, pequena, dessas de desenho animado, o que tornava o salto uma façanha ainda maior, digna de premiação, aplausos, fanfarra, serpentina, confete e o beijo da menina mais bonita do parquinho; isso, se chegasse até lá e sobrevivesse, porque era alto demais, muito mais do que ele três vezes deitado, como prometeram. A plataforma balançava com os outros subindo as escadas atrás dele, o que aumentava a pressão para ir mais rápido, e ele tinha medo de não resistir muito mais antes de cair. Disseram que era mais larga do que uma régua, mas não parecia – mal dava para se mexer na tábua, qualquer passinho para o lado e ele tinha certeza de que não conseguiria se segurar. O coração estava acelerado, batia até nas orelhas, o que deixava a torcida das pessoas pelo pulo ainda mais distante, ele só ouvia direito o pulsar e sua própria respiração, ofegante, alta e delatora. O suor escorria pelos olhos, apesar do frio, cada gota ardia e incomodava, descendo lentamente até pingar no queixo e conseguir fazer o salto para a água antes dele – destemidas e bem exibidas, essas gotas, se jogando como se aquela altura toda não fosse um problema. Na barriga, a sensação constante de uma montanha russa em queda sem fim combinava com o vento no rosto, aumentava o frio, favorecia os arrepios e era embalada pelos sons de fundo abafados, só que a descida de verdade nem tinha começado ainda. As mãos, fechadas em punho, estavam bem apertadas e deviam ser a única parte do corpo que tinha alguma cor, já que toda a força da ansiedade se concentrava em seus dedos pequenos, deixando as palmas vermelhas como a ponta do nariz em dia de inverno.
Naquele momento, com os dentes batendo, a boca entre o branco e o roxo, e o cabelo molhado colado à testa, Carlos Augusto Souza Meirelles, 5 anos, quase se arrependeu do momento em que pediu para ir no trampolim dos grandes, mas, depois de horas perturbando o pai para deixar, não podia dar para trás agora e precisava pular para o que era uma morte quase certeira. Ouviu o grito da mãe encorajando, respirou fundo, ignorou a montanha russa na barriga, encarou o batuque do coração como se fosse o rufar de tambores para seu grande ato e seguiu uma das gotinhas que pingou de seu queixo.