A Istambul de Teresa
Ué? Todo mundo naquele canto do mundo não era obrigado a usar burca? Então, cadê as outras mulheres cobertas da cabeça aos pés? Teresa parecia ser a única. O povo na Praça Taskim mesmo esqueceu que devia estar de burca. Riam dela por dentro, ela podia sentir. Droga, ela quase nunca saía de casa, mas amava a ideia de viajar. Arriscou-se a ir para Istambul com Umbra justamente porque, lá, ela poderia se cobrir e se sentir enturmada. Ninguém veria seus braços cheios de pelos, masculinos; ninguém a trataria como uma aberração, como faziam em sua casa. Estava duplamente furiosa com Umbra: por deixar ela se vestir daquele jeito ridículo (agora sabiam que ela era esquizofrênica até na Turquia!) e por querer que ela, nas férias, trabalhasse. Devia deixar que ela andasse por aí com as unhas feias, para repararem nela também.
– Caramba, Umbra, você podia ter me avisado que o povo não usa burca aqui! E eu tô de férias, sabe? Só sou manicure quando a gente está em casa. Aqui, não!
Umbra nem se deu ao trabalho de responder. Devia estar zangada também. Teresa não quis levar Zy. Ela não entendia que Teresa deixou Zy para trás por ela. Quando Zy estava por perto, Umbra desaparecia. As atenções, os olhares, tudo ia para Zy. E isso deixava Teresa com um nó na garganta. Além do mais, sempre preferiu mesmo a companhia de Umbra. Se estava até fazendo as unhas dela no meio da praça, poxa! Prova de amizade maior não há.
Para agradar a amiga, Teresa decidiu caprichar no trabalho. Lixou as unhas dela, tirou as cutículas com cuidado. Só faltava pintar. Foi aí que Teresa percebeu: tinha esquecido os esmaltes. O silêncio da amiga e o constrangimento por esquecer algo tão importante fizeram com que Teresa percebesse mais gente parada olhando para ela, cochichando. Será que tinham percebido que, além de ser a única de burca, era uma manicure sem esmalte? Começaram a rir dela. Foi demais para Teresa. Ela guardou rapidamente os dedos de Umbra na caixinha de alicates e correu dali. Só queria voltar para casa.
Do outro lado do vidro, a mãe de Teresa observava. Tinha pedido ao médico que tentasse suspender o tratamento com Zyprexa. Teresa vivia com sono e infeliz desde que começara a tomar o remédio. Implorou para a mãe para interromper o tratamento, queria estar bem para poder viajar, ver o mundo. O médico atendeu o pedido com a condição de que Teresa ficasse na clínica enquanto o remédio estivesse suspenso. Não sabia como a paciente reagiria. E estava provado ali pela reação dela à caixa de tâmaras que a mãe trouxe: parar com o medicamento não foi uma decisão acertada. Passou horas enrolada no lençol da cama esfregando as frutas. Depois, ficou tirando a casca uma a uma – ato desnecessário, a casca era comestível, prova de sandice! Para piorar, jogou todas de volta na caixa sem comer nenhuma.
– Eu disse para a senhora, Dona Dirce, que a Teresa podia reagir muito mal à suspensão do remédio. Sejamos francos: ela não vai viajar para lugar algum, melhor voltar a tomar o Zyprexa antes que invente mais amigos imaginários.
– Umbráticos, doutor. Ela prefere que a gente chame os amigos dela de umbráticos.