Sobre cirurgias em geral e os diferenciais da plástica
Tinha quatro pra conta. Com maior ou menor tempo e dietas mais ou menos complexas de recuperação no pós-operatório, não houve muitas variáveis. Em todos os casos, as intervenções foram necessárias, os remédios e o tempo foram meus parças, e a equipe médica fez de tudo para me amparar. Ao fim de todas, os médicos eleitos por mim me explicaram que as cirurgias tinham sido um sucesso e me tranquilizaram antes de me mandarem de volta ao quarto. Fiquei mimada.
E é aqui, na quinta da conta, que a história muda de figura. Cirurgia cosmética. Você escolheu fazer. Então, muahahahahaha, você tem que pagar por isso (com mais que dinheiros). Tudo começa diferente já na preparação do show. Os caras te mandam comprar o advento que, se você não sabe, descobrirá depois, manterá a tortura da cirurgia eletiva acesa: a cinta.
– Preciso de uma cinta pós operatória.
– O que vai fazer?
– Abdômen e mamas.
– Ah, tem que ser inteira, com bermudas e sutiã.
– Tá, a senhora tem M?
– Você é P.
– Mas eu uso M. Ou G.
– Filha, nessa hora, tem que apertar bem. (ela me apalpa, me medindo). Você é P.
– Ah, não, vou levar a M.
– Olha, vai ter que voltar pra ajustar depois!
– Pode ser, mas prefiro a M mesmo. Se precisar ajustar, procuro a senhora. Qual seu nome?
– Felicidade.
Já botou uma cinta na vida? No verão? Felicidade é sacanagem. E grazadeus que eu não ouvi a Felicidade. Porque, gente, a M já aperta minha alma! Imagina a P.
Mas falemos do astro do texto, o procedimento cirúrgico em si. Pela primeira vez, eu internei e ninguém me explicou exatamente o que ia acontecer na cirurgia per se. Nem o antes, nem o durante, nem o depois. Me mandaram estar no hospital 3 horas antes, eu deveria escolher tamanho de prótese e tals, só que ninguém falou (de verdade) comigo.
O médico entrou apressado, me fez de tela dadaísta, me rabiscou inteira e disse que já, já nos veríamos. Entrou um anestesista no quarto depois. Perguntou se eu era alérgica. Me avisou que não era ele que faria o procedimento. Mal olhou para a carta do meu cardio. E se foi.
Aí, veio um enfermeiro que me conduziu até o centro cirúrgico 16. Foi me explicando por que eu tinha que ir de maca, mesmo estando bem e consciente. Foi a única explicação cuidadosa que recebi. Chegando ao C.C., ele se foi. Lá dentro, um apito sem fim. Um aparelho que mede a segurança de atividade elétrica na sala está quebrado. Mas a sala ainda está funcional, então, mantiveram aberta. A instrumentista entra, ouve o barulho e avisa:
– É hoje que eu vou quebrar esse negócio!
Me senti acolhida (sqn). A equipe médica reunida, sem nem colocarem o lençol azul do parto para me separar deles (vale ler texto anterior sobre cirurgias e parto caso precise de referência), começa a conversar de amenidades, absortos, esquecidos de mim ali. Pergunto da prótese e do tamanho: a gente vê depois. Eles debatem que não sabem cadê o narcoterapeuta (comumente chamado de anestesista) da vez, nem sabem quem será. Mais uma onda de segurança toma conta de mim.
Comento com o médico que já fui acordada com partes retiradas de mim, ele nem dá conta e prossegue com a conversa, ignorando meu pedido. O anestesista chega. É do Rio. Começam a falar sobre a cidade maravilhosa, o que é Leblon, o que é Barra e as diferenças entre praia da Macumba e da Macumbinha. Ele olha pra mim, numa pausa do papo, e avisa que vai puncionar o meio do meu braço. Volta à conversa. Erra. Roxeia. Sai da conversa de novo, punciona a dobra do braço, acerta e… Eu apago. Sem contagem, sem aviso, sem nada.
Acordei horas depois sem nenhum médico pra me falar da cirurgia. Ninguém pra me explicar o que houve. Numa sala de recuperação genérica. Com várias outras pessoas. E nenhum rosto conhecido. Desamparo. Pelo menos, não era uma banheira de gelo.
Consigo parar acordada meio minuto para poderem me levar ao quarto, onde me vejo enfaixada como uma múmia, dos ombros até os quadris. Com drenos, que recolhem sangue e outros fluidos. Com sonda, que recolhe urina. Com soro, que eu recolho. Três canos de saída, um de entrada, muita bandagem e tontura. A maca me deixando em formato de um N, onde minha cabeça toca a perna vertical do final, e nenhuma ideia do que aconteceu ou acontecerá. Só as caixas das próteses mamárias me dizendo quantos mililitros tinham sido instalados em mim, mas nem noção do que aquele número significa. E, sem apoio visual, já que o visual múmia cobria TUDO.
Entra minha mãe. Aleluia. Não fui ludibriada. Ela disse que tudo correu bem e que está tudo certo. Só não sabe dizer o que correu bem e como vai ficar tudo certo. Detalhes. Uma enfermeira chega, se apresenta e orienta: você não pode se mexer, não pode sair da cama, não pode alterar a posição da cama e não pode erguer os braços. Oi? Por que ninguém me disse isso antes? Cadê o acalento pós-operatório?
Só no dia seguinte, mais de 24h depois da cirurgia, me tiraram da cama. Com o auxílio de duas enfermeiras, eu fiquei de pé. E desmaiei. “Normal”, elas disseram. “Acontece”. Sei que não é eloquente, mas pergunto novamente: Oi?
Terceiro dia. Retiram as bandagens e colocam o aparelho de tortura conhecido como cinta que, atenção, só deve ser tirado para tomar banho. De resto, fica te espremendo 24 horas sem pausa. Trocando em miúdos: eu estava há 3 dias sem banho, sem ver meu corpo direito e me sentindo mais apertada do que passageiro no trem da CPTM para Carapicuíba na hora do rush.
Veio a alta. À noite, em casa, eu só queria tirar a cinta, respirar, me ver e tomar banho. Lá fui eu. O horror. Sério, parece que eu participei de um show de mágica que deu errado: pontos circundando minha cintura, porque claramente me cortaram ao meio numa daquelas caixas a la Houdini. Com o uso frequente da cinta, a pele estava toda machucada. A água tão esperada toca o corpo como álcool, arde.
Passa a primeira semana, só quero minha vida de volta. Volto ao médico para retirar os pontos e as dúvidas. O médico não espera minha chuva de perguntas, tampouco as responde: parece que paciente de plástica cumpre o clichê de ter a preocupação exterior maior que a interior, e ele não está acostumado a ser questionado. Reage mal, se fecha. O que eu sei é apenas que tenho continuar a andar curvada, e a posição de dormir ainda é em N. A cinta tem de ser mantida. Até… Até lá. Sabe-se lá quando.
Fico imaginando se é um complô silencioso contra a ditadura da beleza. A gente tem tanta tecnologia nas demais cirurgias, que os procedimentos pré, durante e pós-operatórios cosméticos ficam parecendo barbáries. E a falta de cuidado para informar o paciente… Ou será que escolhi o médico errado?
Agora, reza a lenda que, quando tudo passa, você se vê linda e esquece o sofrimento. Tô esperando esse momento olhando pra minha cinta e tudo que ela encobre sem trégua. Por ora, ainda tô na fase: por que é que eu fiz isso comigo, meu Deus? Me perguntem novamente daqui uns meses. Achei, todavia, que valia um aviso dado no calor do momento, para que desavides em geral saibam o que aguarda ao topar uma plástica.