O amor e a salvação de Gisele – só Gisele

O amor e a salvação de Gisele – só Gisele

As estrelas iluminavam a cidade. O céu sem nuvens exibia a lua cheia. Era uma noite inspiradora. Gisele, sozinha em seu apartamento, viu aquela paisagem e sentiu saudade dele. Correu para o telefone e…

– Não vou.

No meio do caminho, Gisele parou e tentou lembrar o número…

– Não é nada disso. É que eu não vou mesmo. A gente precisa conversar.

Fazia tempo que não se falavam. O coração batia forte. Suas ideias pareciam desconexas e ela…

– Meu coração e minhas ideias vão muito bem, obrigada. Faz meses que aquele traste saiu da minha vida, e é melhor que continue assim.

Era difícil para Gisele viver assim, sem um amor. Tanto tempo sozinha… Ela estava fora de si. Tão perto do telefone, Gisele começou a ter devaneios, estava desnorteada. Precisava desesperadamente dele.

– Escuta aqui, ô, voz do além, eu não vou ligar. Não estou desnorteada. Parei aqui e não vou pegar telefone nenhum, porque você não manda em mim. E, sim, até quero um amor. Um dia, quem sabe, talvez. Mas não sou uma princesinha desesperada, nem faço o tipo mulher frágil que vê a lua e pensa que precisa de um homem pra compartilhar a vista romântica.

Gisele parecia…

– Não, não parecia, Gisele estava! Não vou ligar para ele. Porque não é ele. Se fosse ele, ele tava aqui comigo agora. Mas não tá. Melhor assim. E você pode parar já e já com isso!

A solidão havia tomado Gisele. Ela sucumbiu. Já não sabia mais o que dizia. E pensar que sua salvação estava ali, tão perto. Se esticasse a mão, alcançaria o telefone. Bastaria discar para ele, e todos os males que a afligiam iriam embora.

– Ai, que saco! Não força a amizade. Não sucumbi coisa nenhuma. Você não se toca, não? Eu já disse, não vou ligar pra ele. E tem mais: cansei de você. Fica aí falando de mim como se soubesse o que sinto, o que vou fazer, o que penso. Sabe nada! Semana passada, quando você cismou de falar dele de novo, eu me cansei de ficar ouvindo e saí. Você nem me viu saindo, né, espertinho? Fui meditar no parque, ler um livro embaixo de uma árvore e…

Gisele, que nunca fora afeita a livros, começou a fingir que lia. Provavelmente porque esse era um passatempo dele. Certamente, a falta dele corroía sua alma, dilacerava seu coração.

– Mas é muito sem noção. E ainda por cima brega, cheio de clichês… Dai-me paciência! Fala, fala, fala dos outros e, ouvir que é bom, nada, né? Esse é o problema de quem fala demais e acha que sabe de tudo. Vou tentar explicar mais uma vez: quem sabe de mim sou eu. Não é porque sou mulher que preciso viver sonhando com um homem pra me salvar – olha pra mim, nem em perigo eu estou! E tem mais: adoro ler, leio pra caramba, você que não vê. Precisa perceber melhor os outros, viu? Tô aqui na sua frente dizendo que não vou ligar pra ele, que ele não faz falta, e você insiste? Vai morrer achando que sabe de tudo e perder a chance de conhecer melhor as pessoas. Azar seu.

Completamente imersa em suas ilusões, Gisele entrou numa espécie de realidade paralela e já não discernia o que era real. Sua única chance seria ele aparecer para tirá-la desse carrossel insano. Eis que, num golpe de sorte, a campainha toca…

– Ah, tá de brincadeira! Chega! Você, aí na porta, se manda! E você, vozinha arrogante, peraí, deixa eu sair desta página. Vou até aí.

Me dá aqui essa caneta. Me dá o microfone. Me dá essa voz. Caros leitores, aqui quem fala é a Gisele. E não vou ligar para ele nem hoje, nem amanhã, nem nunca mais. Nem vou deixar que alguém controle minha vida. Essa é minha decisão. Sou capaz de fazer minhas próprias escolhas. Daqui em diante, quem conta minha história sou eu.

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